Durante anos, educadores e leitores me acompanharam pela leitura e estudo de minhas publicações sobre 5S, conceitos para o cuidado do ambiente que veio do Japão com a Qualidade no Estilo Japonês. Ao longo esse tempo, passei a priorizar o ser vivo, com o que uso a expressão Viver 5S, na melhoria do jeito de ser e de agir. A melhoria do ser humano para o cuidado dos Fatores de Qualidade (Ambientes, Pessoas, Equipamentos, Materiais, Métodos e Medidas). Esses fatores são conhecidos nas empresas como causas que precisam ser cuidadas de modo que o efeito seja de qualidade. Qualidade de produtos e qualidade de vida.
No entanto, o 5S não é suficiente para superar desafios de o que vivi na infância em Araxá (no povoado de Itaipu e depois na área urbana) e observei de crenças e costumes das pessoas mais velhas. Há tradições tão rigorosas que os mais velhos temem perguntar, dificultando separar o que é saudável de o que não é saudável das crenças. Em caminhadas urbanas noturnas, em ruas solitárias, é possível perceber a solidão da esperança necessária e não atendida, prometida pela fé baseada em mistério, a exigência do amar e a imposição do medo. Três características comuns em estelionatários e abusadores.
Não conseguiremos melhorar nosso jeito de ser e de agir se não observamos também as crenças e os costumes, se não aceitarmos verificar as crenças e costumes, melhorar as crenças e costumes, evitar os pontos de crenças e costumes que nos levam a provocar sofrimento.
Com o livro O Resgate da Existência, vivido principalmente e 2009, libertei-me para fazer perguntas e procurar respostas que as tradições condenam. Tradições em que Deus é subjugado por aqueles que o representam. Deus não manifesta sua vontade por si mesmo. De 2014 a 2016, escrevi Os Limites da Crença, em que os mesmos personagens do livro anterior, em caminhadas urbanas, filosofam sobre os paradoxos religiosos que tanto sofrimento provocaram em seus antepassados. Procuram o esclarecimento com que possam conviver com a história e se projetarem ao futuro com crenças e costumes melhores.
Vejo o tema do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá) de 2022, Abolição, Independência e Literatura como uma oportunidade para tratar de um dos fundamentos que levam a pessoa a conviver com a escravidão sem se dar conta de que pode ter conduta de escravizado ou de escravizador, na ambiguidade de tolerar a escravidão porque também escraviza.
— Você já percebeu sinais de que Deus foi escravizado, de que Deus é dependente de seus escravizadores?
Em Araxá, uma cidade com fortes tradições religiosas, não imagino que os organizadores do Fliaraxá tenham feito essa pergunta uns aos outros. Não imagino que tenham feito essa pergunta porque não é uma pergunta comum, por mais evidente que seja. É uma evidência difícil de ser lidada porque é possível que o religioso que a fizer ou a ouvir descubra que tem agido como se fosse um escravizador de Deus.
— Seria possível escravizar Deus?
Quem não acredita na existência de Deus responderia que “não, que não é possível escravizar um ser inexistente”.
Porém, as tradições dizem que é necessário acreditar na existência de Deus, conforme está consistentemente registrado nas escrituras. As mesmas escrituras em que é possível concluir, em leitura sem preconceito, que Deus é submetido a Moisés, a Abraão, Davi, profetas diversos, ao diabo, aos romanos e evangelistas. Essa tradição continua entre os líderes religiosos que falam a milhões ou bilhões de pessoas em templos, programas em rádio e televisão, na internet, em livros e infinitas gravações.
Mas não se ouve a voz de Deus. Não se ouve a voz de Deus tratando de temas atuais, que causam bastante conflitos de interpretações, inclusive entre os que falam em nome de Deus.
A ausência da fala de Deus é característica eloquente de que ele, existindo, foi escravizado. Escravizados não têm voz.
É bem possível que os mais novos, condicionados à facilidade de ver aonde vão pelo street view, sintam falta de fotos e imagens reais para crer em céu ou inferno. Se têm facilidade de ouvir seus ídolos nas redes sociais, manifestando-se sobre temas do dia, a antiguidade de Deus das escrituras se torna distante e irrelevante para eles. Tão irrelevante que não se preocupam se ele está em cativeiro ou inexistente. As novas gerações serão diferentes do que foram nossos antepassados. Para melhor ou pior – depende de como conduzirmos a busca do entendimento.
Mesmo se essas reflexões não passaram pelo pensamento de quem definiu o tema do Fliaraxá, entendo que refletir sobre a conduta das religiões sobre Deus pode contribuir para descobrirmos estímulos subliminares nas crenças e nos costumes que nos tornam piores: escravagistas, submissos ao escravizador, forçando dependências na religião, na política, no consumo. Na aceitação do silêncio de Deus, nos acostumamos a não ouvir, a não ouvir, inclusive, a voz dos oprimidos. São sutilezas do nosso jeito de ser que precisam ser trazidos à luz da consciência, ao sol de Araxá, em caminhadas de reflexão.
A melhoria de crenças e costumes pode nos melhorar como seres vivos para o respeito à biodiversidade do planeta.
Naturalmente, os romances não têm poder de mudar tradições rigorosas. Pelo menos, pela literatura, é possível formar construtos que sugerem possibilidades que, tendo sentido, serão verificadas pelas ciências. O Resgate da Existência é o registro de caminhadas urbanas que vivi, especialmente em Belo Horizonte, acompanhando os personagens cinquentões que deveriam aceitar morrer ou resgatar a existência para arredondar um século de vida. O resgate que lhes permitiu a vida continuar até seis anos depois, em Os Limite da Crença, quando são esclarecidos os traumas silenciados na infância, na época em que o medo do castigo pelo rigor de crenças e costumes inviabilizava as pessoas a serem o que haveriam de ser por sua natureza como ser vivo.
Se temos mesmo de ter crença em Deus, podemos definir os limites dessa crença a partir de uma escritura consistente, cuja leitura e prática tenha muito tempo de comprovação. Já experimentou considerar o seu código genético como uma escritura sagrada a seguir? Mesmo que não tenha considerado, você segue essa escritura. Mesmo quem não acredita no código genético, segue o código genético, porque todos os seres vivos seguem o código genético que herdou de seus antepassados, cada um segundo sua espécie. Ao cuidar para que a biodiversidade possa seguir os códigos genéticos, cada um segundo sua espécie, estaremos cuidando da vida. A partir do cuidado da vida, podemos imaginar um Deus a favor da vida e não de sacrifícios, de que não sejamos dependentes e nem tenhamos o hábito de escravizar.
Anexos
Arquivo .pdf com dois capítulos de Os Limites da Crença (páginas 354 a 369):
· 81. Encontro de Manoel, Patrícia e Deus bom: reflexões de um casal de velhos sobre temas diversos que viveram ao longo do livro, da vida, e uma imaginação a se realizar: o Deus bom e a escritura “sagrada” universal.
· 82. Um Deus bom: templos voltados para o esclarecimento
Vídeos:
· Apresentação de O Resgate da Existência: https://youtu.be/hTpeG2TBHmY
· Apresentação de livro Os Limites da Crença: https://youtu.be/ehxMApy1BS0
· Apresentação de minha participação no Fliaraxá: https://youtu.be/uP6U8DT-PR8
Imagens:
· Flyer do lançamento
· O autor, Wagner Matias de Andrade
· Capa de O Resgate da Existência
· Capa de Os Limites da Crença
Wagner Matias de Andrade
Autor e editor – wagner@5s.com.br
Criação, comunicação e pedagogia empresarial
Soluções Criativas em Comunicação Ltda. – Ideias para qualidade de vida